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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Pedalar é planejar surpresas e acabar sendo surpreendido

Dia 8 de agosto de 2010 ficará eternamente na memória como o dia em que aprendemos que erros podem dar certo, bem como o dia em que se confirmou o velho ditado: “Deus escreve certo por linhas tortas”.


Quando as 7:30 de uma manhã ensolarada eu aguardava ansioso pela chegada de Rodrigo, botávamos as bikes no transbike e pegávamos Alexandre em casa, tinha o pensamento de que estávamos saindo um pouco mais tarde do que deveríamos, considerando que tínhamos o intuito de viajar de carro e pedalar de Aiuré (comunidade vizinha de Grão Pará) até a Serra do Corvo Branco, em Urubici. Lá, de acordo com nossas condições físicas e o horário, decidiríamos se tocaria “acaveiradamente” até o magnífico Morro da Cruz ou daríamos volta. Bom, a seqüência de surpresas começou por aqui.

Não sei exatamente a troco de quê adentramos a BR-282 no sentido de Águas Mornas e Rancho Queimado. Ao passar pela Polícia Rodoviária nos informamos com o policial, digo, com os mapas que o policial nos concedeu, pois o mesmo sequer sabia por onde chegar até Braço do Norte que era a nossa referência para acessar Grão Pará. Percebemos então que “geograficamente” o caminho seria até mais curto do que se tivéssemos descido direto pela BR-101. O desconforto seria apenas um trecho de aproximadamente 50km de estrada de chão entre São Bonifácio e Rio Fortuna pela SC-431. De lá até Braço do Norte e Grão Pará chegaríamos em um piscar de olhos.

Porém, logo nos primeiros quilômetros daquela estrada de chão, percebemos que estes 50km seriam bem mais longos do que havíamos imaginado. Considerando também que já eram passadas 11h e o relógio não estava mais a nosso favor.

Enfim... O jeito é improvisar. Embora a estrada fosse ruim para passar de carro, a cada curva que passavam os três malucos do Continente divagávamos sobre a agradabilidade de percorrer aquele trecho pedalando. Em cada curva, em cada descida, cachoeiras e pontes sobre arroios. Então ecoou no ar: “Galera, o que vocês acham de, ao invés de voar ao “Corvo”, fazermos este percurso pedalando até o Rio Fortuna curtindo cada metro deste estradão?”


Aqui não tem tempo ruim e com estas parcerias a gente “tira leite de pedra”. Quando começou a pintar aquele clima de “iiih... melou”, foi o momento em que demos volta, estacionamos o carro no posto de gasolina do centro de São Bonifácio e começamos a “encilhar” os cavalos, digo, as bicicletas. Os cavalos éramos nós mesmos, tira a camisa, põe a de pedal, tira a calça de abrigo e põe a estofada de pedal, enche as caramanholas, mistura com isotônico e outra com VO2, luvas, capacete, câmaras reserva, bomba, espátulas, algumas ferramentas, regulagem de bancos, ajeita os faróis, pega um “troquinho” pra alguma eventualidade, enfim. Por alguns minutos fomos o centro das atenções de São Bonifácio naquele domingo de dia dos pais e partimos sorridentes em direção ao desconhecido. Nunca havíamos percorrido aquela estrada e estávamos prontos para o que der e vier. Tudo era lucro.




Nas primeiras investidas naquele chão inicialmente pesado pegamos de cara algumas subidas fortes. A conseqüência foi sofrer um princípio de pressão baixa. Claro né... Não fizemos aquecimento nenhum, estávamos a uma semana sem pedalar e sem qualquer outro exercício. Eu ainda com o rosto “costurado” em razão da queda na corrida em Termas do Gravatal há uma semana atrás e nos “atracamos” com toda a sede ao pote. Não há organismo que agüente. Paramos por alguns minutos, respiramos fundo, tiramos algumas fotos, algumas palhaçadas e risos e daí: “siiiiiiimbora cambada”.


A partir de então foi só alegria e gritos de contentamento perante aquela serra maravilhosa. Cruzamos rios, morros, pessoas sorridentes ao nos ver, aquele sol batendo em nosso corpo como uma benção divina. Filmamos algumas descidas do percurso e tudo estava perfeito.



Depois de rodar 20km de divinas estradas encontramos uma bifurcação que nos semeou um dilema. As possibilidades eram: para Vargem do Cedro dobre a esquerda; outra dizia “12km a esquerda, Fluss Hauss Café Colonial”. Mas e se formos pra direita, onde chegaremos? Pouco importa, não é? “Bora” ver qual é a desse café colonial. E como bons glutões, partimos ávidos por mais 12km num ritmo de dar inveja até a Lance Armstrong.


Caminhos simplesmente maravilhosos de percorrer, descidinhas deliciosas e subidas agre-doce, casinhas em estilo colonial com pomares, hortas e tudo que se tem direito.

Em meio àquela paisagem, eis que surge um oásis no meio do nada. Avistamos um estabelecimento de arquitetura alemã e uma multidão de pessoas defronte ao que dizia na placa: “FLUSS HAUS CAFÉ COLONIAL”.

Fluss Haus (Casa do Rio)



Maaaaaluco!!! Olha isso!!! Que pitoresco!!! Vamos dar uma olhada, no mínimo. Imaginem alguém vestido de astronauta no centro de Florianópolis, será que chamaria a atenção?!? Agora imaginem três ciclistas malucos e devidamente fardados adentrando a um recinto tipicamente familiar onde se encontravam pessoas dos mais variados lugares. Parecia que conhecíamos todo mundo. Era um “boa tarde” pra cá, um “como vai?” pra lá, um “opa” acolá, uma piscadelinha pra umas menininhas pra lá de simpáticas que estavam acompanhadas dos entes. Mas que lugar!!!




Neste pedaço do inesperado, encontramos um treinador de basquete que mora nos EUA, os estimados ex-sogros de um dos companheiros ciclistas (inimaginável!!!) e até mesmo uma família inteira de ciclistas. Isso mesmo, encontramos bikers muito mais rodados do que nós, porém, à paisana. Era a família do conhecido “Zé do Pedal” de Tubarão, um jovem senhor de setenta anos e a sua linda família. Quando uso este adjetivo, me refiro a beleza externa e interna. Gente que sabe viver com alegria e que descobriu a bike há seis ou sete anos e nunca mais pensou em parar. Fizeram por três anos consecutivos a volta na Serra de Santa Catarina, pedalando 300km por estradas de chão, morros e descidas de tirar o fôlego. Até mesmo as mulheres da família pedalam mais do que muito marmanjo gostaria de pedalar. Ficamos de marcar algumas aventuras em duas rodas em um breve futuro. Horas e horas de muita conversa e troca de contatos e informações pareceram ter passado em poucos minutos.


Eu e "Zé do Pedal": Quando crescer vou ser como ele. Grande exemplo de vida.



Atendimento a caráter.

Não preciso nem mencionar a esplendorosa culinária alemã que demorou muito tempo pra poder saborear um pouquinho das tantas opções que me faziam sentir como uma criança em um parque de diversões.

Era pastelão de palmito, de frango, massas, salames, queijos, sucos naturais, tortas de chocolate com damasco, de morango, de banana, de limão, era muuuuuuito rango!!!


Olha a alegria da criança.

Como verdadeiros “sem noção” comemos demais e o tempo passou voando. Até que, ao ir ao banheiro percebi, olhando pela janela, que o tempo estava um pouco fechado. Algumas nuvens e um pouco de vento frio começou a soprar e ainda tínhamos que “subir” todos os 32km que descemos até aquele maravilhoso estabelecimento.


Viver momentos como esse não tem preço.

Foi aí que resolvemos não “perder” mais tempo e nos tocar bem de vagarzinho no caminho de volta. Nos despedimos do pessoal, pegamos nossas bikes na casa do dono do café que nos cedeu sua garagem (éramos praticamente da família) e tocamos de volta.

Ao contrário do que pensamos, o retorno não foi tão árduo assim. O que foi pior era o filho que cada um carregava na barriga. Então fomos muito na “manha”, contemplando cada cenário por onde passávamos.

Chegamos ao “posto” de partida quando a noite já havia se anunciado, adrenalizados por tudo aquilo que havia acontecido.

O tempo que levamos pedalando foi de 1:35 para ir, 1:55 para voltar e algo em torno de 3:45 para comer e conversar. Valeu cada segundo!!!

Em nosso retorno a São José fomos lembrando cada uma das emoções e das lembranças, além de projetar com muito mais determinação as nossas futuras empreitadas pela serra catarinense.

Definitivamente o MTB nos reserva sempre algumas surpresas inesquecíveis, basta estarmos de coração aberto e de consciência tranqüila. O amor, as amizades, os lugares novos, as descobertas... Tudo isso faz parte do arcabouço que proporciona o MTB. Jamais teria conhecido pessoas tão extraordinárias como as que conheci em tão pouco tempo se não fosse por esse objeto tão simples e tão mágico de duas rodas pelo qual jamais deixarei de desfrutar.



Obrigado Rodrigo, obrigado Alexandre, obrigado a meu pai (Antonio) e a Deus por um dia tão especial como este.



Um grande abraço e até o próximo relato!!!



Leandro Karam

5 comentários:

  1. Show de bola camarada, muito legal mesmo poder compartilhar destes momentos juntos. Parabéns pelo relato, vc tem o dom....

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  2. Parabéns, tchê.
    muito massa o relato, muito massa a empreitada, com certeza deve ter sido um baita pedal.

    Pedalar no interior é sempre legal, e com o trajeto desconhecido, entao, fica mais legal ainda.

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  3. Parabéns pelo desafio. Foi maravilhoso compartilhar com voces de momentos inesquesíveis, onde superamos nossas limitações, quando estou pedalando me sinto uma vencedora, é uma sensação impossivel de explicar porém é maravilhoso compartilhar. Foi muito bom conhecer voces em Vargem do Cedro nossos IRMÃO DO PEDAL. Felicidades e até breve.

    Um grande abraço Jane

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  4. minha opiniao de jornalista: to sentindo que ha outras ideias ai na "pipeline" a partir desses relatos tao apaixonados e cheios de detalhe... "desafios sao temporarios", vai na fe! baita abraço!

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  5. Francisco José Castilhos Karam3 de outubro de 2010 às 04:59

    Leandro,
    beleza de cicloviagem e de representação por meio de uma quase reportagem, a la "novo jornalismo". Além de ciclista, professor, biólogo e outras atividades, acho que tens grande capacidade narrativa e de percepção. Grande abraço do tio Chico, da Jeana e da pequena Helena, que também já apresenta gosto pelas aventuras, por riscos e desafios...e gosta muito de um "frio na barriga"...

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